O torcedor: Luiz Flávio Sampaio

26 09 2009

Todo fiel torcedor é apaixonado, dedicado e tem várias boas lembranças de seu time. Mas poucos sofrem tanto quanto um corintiano. Mesmo que ele seja um bancário paulista de 31 anos que vive em Boston (EUA), como Luiz Flávio Sampaio, o primeiro personagem de nosso blog. A sua paixão pelo clube de Itaquera, ao contrário da maioria dos meninos, não tem nada a ver com sua família, até porque seu pai é carioca. “Ele queria que eu torcesse pelo Fluminense de qualquer jeito, mas desde que eu me conheço por gente eu sou corintiano”, diz.

Luiz, o corintiano que foi ao Morumbi e viu o Corinthians ser eliminado pelo arqui-rival na Libertadores de 2000

Luiz, o corintiano que foi ao Morumbi e viu o Corinthians ser eliminado pelo arqui-rival

Em sua vida como torcedor do Corinthians, Luiz passou por várias fases. O grande time bicampeão brasileiro (98 e 99), o belo lado esquerdo de Kleber, Ricardinho e Gil em 2002, os gols de Carlitos em 2005 e as belas campanhas na série B no ano passado, no Paulista e na Copa do Brasil de 2009 compensaram o trauma do rebaixamento em 2007 e das eliminações em Libertadores. Mas isso é assunto para depois.

O importante é que, como todo corintiano, ele alega não desistir nunca. “Uma coisa que o Corinthians tem tudo a ver comigo é determinação. Lutar pelo que quer até o último minuto e conseguir. Às vezes com algum sofrimento, mas quando consegue, parece que é mais legal porque teve essa dificuldade. Isso casa muito com a minha vida. A bola vai sair e o lateral dá um carrinho, mas ele não deixa de ir na bola”, descreve orgulhosamente.

Se não há dúvida do que Luiz mais admira em seu time, também não há quando se trata do maior rival. São-paulinos nem vêm à sua cabeça. “É o Palmeiras, claro! Eu falo que, antes de torcer pro Corinthians eu sou um anti-palmeirense”, afirma de forma categórica. Curiosamente, seu maior ídolo no futebol é alguém que jogou pelos dois times: Neto. Porém, o ex-camisa 10 nunca escondeu seu coração corintiano e Luiz o admira por isso. “Ele fala mesmo que tem paixão pelo clube, e isso não se vê muito hoje em dia”. Em segundo lugar, estão dois nomes: Ronaldo Fenômeno e Marcelinho Carioca. O último protagonizou ao lado do goleiro Marcos um jogo nada agradável na vida de nosso torcedor. A bola puniu Marcelinho, Luiz e toda a nação corintiana, numa partida inesquecível.





Antes e depois

26 09 2009

O pré-jogo

Rincón beija a taça do Mundial da FIFA

Rincón beija a taça do Mundial da FIFA

Corinthians e Palmeiras estavam em uma das melhores fases de suas histórias e, conseqüentemente, de mais efervescência no clássico. O clima já vinha pesado de outros embates anteriores e aquele jogo poderia ser o fim de uma época gloriosa para a equipe derrotada.

Em 1999, os clubes já haviam se esbarrado na Libertadores, porém nas quartas-de-final. Após uma vitória de cada time, ambas por 2 a 0, decisão por pênaltis. Vitória alviverde por 4 a 2, abrindo passagem para o caminho que culminaria no título da competição.

Também no ano anterior, pouco mais de um mês após as quartas do torneio continental, confronto quente pelas finais do Paulistão. Ao final do segundo jogo, com um empate que consolidava o título do Timão, Edílson começou a fazer embaixadinhas para provocar os adversários. Os jogadores palmeirenses não gostaram e partiram para cima do Capetinha. A briga se generalizou e ajudou a aumentar o ódio recíproco entre os rivais.

No primeiro das semifinais da Libertadores de 2000, vitória corintiana por 4 a 3 e a vantagem do empate aos alvinegros. Em jogo de muitos gols, destaque para o palmeirense Alex e para o corinthiano Edu, que ajudaram na criação de dois dos gols de suas equipes. A partida só foi definida aos 46 minutos do segundo tempo, em um chute de Vampeta.

As campanhas

O Palmeiras chegava credenciado à Libertadores como o atual campeão. O time de Luiz Felipe Scolari ainda contava com o dinheiro da Parmalat, no último ano da parceria. Destaque em campo para o goleiro Marcos, em uma de suas fases mais brilhantes e para Alex, o maestro alviverde.

Campeões do Mundial da FIFA e atuais bicampeões brasileiros, os alvinegros contavam com um time tecnicamente superior. Oswaldo de Oliveira tinha em campo uma linha de ataque poderosa: Luizão e Edílson eram municiados por Ricardinho e Marcelinho Carioca.

Durante as fases anteriores, poucos adversários de peso para o Palmeiras. Componente do grupo 7, ao lado de The Strongest, El Nacional e Juventude, o Verdão conseguiu uma suada classificação em primeiro lugar, empatado em número de pontos com os equatorianos do El Nacional.Em casa, 100% de aproveitamento. Fora, um empate e duas derrotas.

Nas oitavas-de-final, jogo duro contra o Peñarol. Após uma vitória para cada lado, decisão por pênaltis, vencida por 3×2. Na fase seguinte, um empate e uma vitória contra os mexicanos do Atlas contribuíram para a classificação.

Para os corintianos, a vida na fase de grupos começou um pouco mais difícil. Equipes tradicionais compunham o grupo. Porém, isso não significou grandes dificuldades para a classificação. Olímpia, LDU e América do México foram superados, com destaque para o massacre sobre os equatorianos em São Paulo: 6 a 0. No último jogo da fase, chuva de gols na partida contra o Olímpia e vitória por 5 a 4.

Passando para a etapa seguinte, os alvinegros encontraram os Argentinos do Rosário Central. Um 3 a 2 para cada lado levou a classificação para os pênaltis, com resultado final a favor do Timão. Nas quartas, a reedição da final do Brasileirão de 99. O empate no Mineirão e a vitória em São Paulo culminaram na eliminação do Atlético Mineiro e no cruzamento entre os arqui-rivais paulistas.

Os desdobramentos


Após a eliminação, segunda consecutiva para os rivais, os corinthianos encerraram um ciclo vitorioso. A ausência do título continental na sala de troféus dos alvinegros ocasionou num desmanche gradual da base do elenco. O técnico Oswaldo de Oliveria seria demitido após a derrota.

Dida, Edílson, Vampeta, Adílson, jogadores-chave do clube, não permaneceriam na equipe até o fim do ano. E Marcelinho Carioca, ídolo absoluto da torcida, passaria a viver um calvário após a perda do pênalti. Cobrado sempre pelo erro, encerrou sua primeira passagem pelo clube em 2001.

Na seqüência do ano, desastre para o Corinthians. O time acabou na penúltima posição do Campeonato Brasileiro, mostrando quão profundas foram as cicatrizes da Libertadores. Por sorte, o regulamento da Copa João Havelange não previa rebaixamento, mantendo a equipe na primeira divisão em 2001.

Classificado para a decisão do torneio continental, o Palmeiras também não teve um final feliz. O adversário seria o Boca Juniors, que contava com vários craques no elenco, como Palermo, Schelotto, Riquelme, Bermúdez, Oscar Córdoba, dentre outros.

Nos dois jogos decisivos, dois empates. Na disputa de pênaltis, jogando em São Paulo, o Palmeiras caiu. Destaque para o goleiro Córdoba, que decidiu a partida e ajudou a iniciar a dinastia xeneize dos anos 2000. O episódio, acontecido no feriado de Corpus Christi, ficou conhecido pelos rivais como o “Dia de Porcos Tristes”.

No segundo semestre, a equipe teve várias reformulações no elenco, apostando em jovens jogadores. Em julho, veio o título da Copa dos Campeões, que garantia a participação na próxima Libertadores.

Na disputa da Copa João Havelange, a campanha na primeira fase valeu a classificação para o mata-mata. Mas os alviverdes não passaram das quartas-de-final, quando foram eliminados pelo emergente São Caetano.

A parceria com a Parmalat terminou no final do ano e o clube iniciou a política de contração de jogadores “Bons e Baratos”. Apesar das semifinais da Libertadores de 2001, quando foram novamente eliminados pelo Boca Juniors, o Palmeiras entrou em um período de vacas magras, que levou a equipe à segunda divisão em 2003.





A partida

26 09 2009

Dia 6 de Junho de 2000, 21h40.

O Morumbi estava lotado. Metade alvinegra, metade alviverde. A maior rivalidade de São Paulo decidia uma vaga na final da Libertadores. A cidade parou para assistir ao clássico.

O juiz da partida era Edílson Pereira de Carvalho, que anos depois seria pivô de um escândalo

Após o apito inicial, a primeira grande chance foi de Luisão. Após cruzamento de Ricardinho, ele dominou e chutou de bico no canto. Marcos fez a primeira de muitas grandes defesas da noite, mandando para escanteio.

O Palmeiras, que dependia da vitória, respondeu em seguida. Alex saiu na cara do gol e até driblou Dida, mas na hora do chute, o lateral Kléber, hoje no Internacional, apareceu em cima da linha para afastar.

O Corinthians passou a pressionar mais, comandado por Ricardinho na armação. Edu acertou um belo chute de fora da área, mas a bola passou à esquerda do gol do Palmeiras. Depois, foi a vez de Fábio Luciano cabecear por cima do travessão.

O jogo pegava fogo, não parava.

E o primeiro gol veio aos 34 minutos do primeiro tempo. Júnior cruzou da esquerda, a bola passou por cima da cabeça de Adílson na área e sobrou nos pés de Euller. O atacante dominou e disparou um chute um tanto mascado que enganou o goleiro Dida. 1 x 0. Era o que os palmeirenses precisavam para levar a decisão para os pênaltis.

No entanto, a festa verde não durou mais de 5 minutos. Aos 39, Marcelinho cobrou escanteio, a zaga palmeirense cochilou e Luisão subiu completamente sozinho na pequena área para empatar, de cabeça. E a primeira etapa terminou assim. 1 x 1.

Na volta para o segundo tempo, as coisas só complicaram para o Palmeiras. Antes dos 10 minutos, Edílson fez grande jogada pela esquerda e tocou para trás. Luisão marcou seu segundo gol, virando a partida.

Agora, o Palmeiras teria que virar.

Euller comemora a virada do Palmeiras

O time de Felipão foi atrás e conseguiu empatar aos 14, em jogada parecida com a do segundo gol corintiano. Euller chegou à linha de fundo e rolou para a chegada de Alex, que, com um toque, acertou o ângulo de Dida.

Os palmeirenses seguiram apertando e chegaram ao gol da vitória, que levaria ao pênaltis, aos 26 minutos. Alex cobrou falta com perigo, Dida ficou só olhando e eis que Galeano aparece para desviar de cabeça e marcar. 3 x 2. Decisão por penalidades máximas.

Marcos e Dida . Marcelo Ramos, Roque Júnior, Alex, Asprilla e Júnior foram os cobradores escolhidos por Felipão. Todos converteram. No Corinthians, Oswaldo de Oliveira, que havia decidido não treinar pênaltis durante a semana, viu Ricardinho, Fábio Luciano, Edu e Índio converterem suas cobranças.

Faltava o último, Marcelinho Carioca, o craque e maior ídolo da torcida à época. Contra ele, o goleiro Marcos, que já havia levado o Palmeiras ao título da Libertadores no ano anterior, também em disputa de pênaltis.

O estádio calou. Marcelinho bateu no canto e Marcos espalmou. O meia não bateu mal, mas o goleiro palmeirense acertou o canto. Daí foi só comemoração. Marcos saiu para comemorar com a massa alviverde e só restou a Marcelinho e os outros corintianos lamentarem mais uma eliminação no torneio continental.

Mas o que passou na cabeça do torcedor do Corinthians é história para o próximo post.

Ficha Técnica

Palmeiras 3 (5) x (4) 2 Corinthians

Palmeiras: Marcos; Rogério, Argel, Roque Júnior e Júnior; César Sampaio (Tiago), Galeano e Alex; Pena (Luiz Cláudio), Marcelo Ramos e Euller (Asprilla)
Técnico: Luiz Felipe Scolari
Corinthians: Dida; Daniel (Índio), Fábio Luciano, Adílson e Kléber; Vampeta, Edu, Ricardinho e Marcelinho; Edílson e Luizão (Dinei)
Técnico: Oswaldo de Oliveira
Local: Estádio Cícero Pompeu de Toledo (Morumbi), em São Paulo (SP)

Data: 6/6/2000
Árbitro: Edílson Pereira de Carvalho
Assistentes: Ednílson Corona e Valter José dos Reis
Cartões amarelos: Argel, Galeano (Palmeiras); Luizão, Kléber, Edu, Adílson (Corinthians)
Gols: Euller aos 34 e Luizão aos 39 minutos do primeiro tempo; Luizão aos 7, Alex aos 14 e Galeano aos 26 minutos do segundo tempo. Nos pênaltis o Palmeiras venceu o Corinthians por 5 a 4. Marcelo Ramos, Roque Júnior, Alex, Asprilla e Júnior fizeram; Ricardinho, Fábio Luciano, Edu e Índio fizeram; Marcelinho perdeu.





De São José ao Morumbi

26 09 2009

O que pode ser pior do que perder um mata-mata de Libertadores para o maior rival?

Viajar de outra cidade somente para assistir ao jogo. Luiz fazia faculdade no Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o ITA, em São José dos Campos. Ele e mais dois amigos foram de lá direto para o Morumbi. “Eu tinha certeza de que o Corinthians ia ganhar e ia pra final”, conta o bancário.

Porém, o clima de euforia foi interrompido assim que eles estacionaram numa ruazinha perto do estádio. Dois corintianos os abordaram perguntando se eles tinham dinheiro e, claro, para qual time torciam. “Meu amigo travou e não sabia falar que torcia pro Corinthians, ele não conseguiu! E os caras falando ‘é, você deve ser palmeirense’, e a gente ‘não, a gente é corintiano!’, lembra Luiz. A indecisão custou o dinheiro que eles tinham no bolso.

Já nas arquibancadas do Morumbi, Luiz se acomodou perto de onde fica a principal câmera da transmissão de TV. No primeiro tempo, o ataque do Palmeiras estava à sua esquerda e o corintiano logo reparou que o jogo estava bom para o alviverde Euller. Ele logo pensou: “é por aqui que eles vão ganhar o jogo”. O seu pressentimento se confirmou quando os palmeirenses empataram o clássico em 2×2, exatamente numa jogada do “Filho-do-vento”. O gol de Galeano, que sacramentou o 3×2 para o clube da Barra Funda, levando a disputa nos pênaltis, poderia ter sido evitado por Dida, segundo Luiz.

Ele acompanhou todo o jogo com atenção, mas não teve coragem de assistir às cobranças de pênalti… exceto uma: a de Marcelinho Carioca. Justamente, a que foi desperdiçada e determinou a pior derrota de sua vida. “Eu tinha certeza que o Marcelinho ia fazer o gol. Eu gosto de ver só o adversário cobrando o pênalti. Quando é do meu, eu só ouço a torcida vibrar. Lembro como se fosse hoje a torcida do Palmeiras do outro lado. Ele cobrou do lado direito do Marcos, que pegou. Foi um minuto de silêncio do meu lado, e um barulhão do outro. Eu não acreditava que o Corinthians tinha perdido. Fiquei durante um dez segundos imóvel, parecia que aquilo eu tinha visto havia acontecido. Parecia um sonho”.

Luiz acordou do sonho, ou melhor, do pesadelo, ao voltar ao carro de seu amigo e perceber que haviam quebrado as janelas e roubado o rádio. Em silêncio, voltaram a São José dos Campos, e aos poucos conseguiam comentar o jogo histórico a que assistiram. Ao finalmente chegar em casa, encontrou seu apartamento no ITA totalmente pichado de palavras nada amigáveis e expressões palmeirenses. “Meu apê todo virado, minha cama virada, porque todo mundo sabia que eu era fanático e enchia o saco de todo mundo. Mas mesmo assim eu continuei usando as coisas do Corinthians que eu tinha”, afirma.

Depois desse dia, Luiz ficou cerca de três anos sem ir ao estádio. Via os jogos pela TV, mas entrou em outra fase na vida e o fanatismo diminuiu um pouco. Porém, a vontade de ver o Corinthians triunfar na Libertadores permanece. “Boto fé que vamos ser campeões da Libertadores ano que vem. Se o Corinthians mantivesse o time da Copa do Brasil, eu tenho certeza de que seria campeão. Eu não tinha dúvida. Agora que mudou eu tenho um pouco de dúvida, mas mesmo assim ainda acho que vai ser”.

Ele pretende acompanhar a campanha do time pela internet, pois está morando em Boston. Pouco antes de se mudar para os EUA, o Blog lhe mostrou o vídeo daquele Palmeiras x Corinthians. “Não quis ver replay de nada depois. É a primeira vez que eu vejo esse jogo”, disse Luiz, durante esta entrevista. A sensação de rever o seu momento mais triste como torcedor: “Estou p…!”.